segunda-feira, 12 de maio de 2014

Correr

Correr não me sai naturalmente. Correr não é (ainda) totalmente uma coisa da ordem do prazer sem fim. Correr para mim é esforço, é dedicação, é suor, cansaço. Correr, para mim, não é libertação da mesma forma que andar de bicicleta é (esse seria o meu desporto de eleição, sem dúvida!!). Mas correr é mais barato, mais simples e posso fazer em casa, quando o Afonso dorme, na velha passadeira em 2ª mão que comprámos há uns anos. 

Posto isto, correr, para mim, tem também outras coisas (muito) importantes: é, acima de tudo, uma superação de mim própria: cada passada, cada minuto ultrapassado, cada km percorrido é uma nova vitória. Correr, para mim, é simbólico desse novo respeito e cuidado que decidi devotar-me neste ano. Permanecer correndo, chegar ao fim do que me propus, é, por isso mesmo, da ordem do prazer. Há em mim, no fim de cada corrida, uma tal libertação das hormonas do prazer, que ontem, ao chegar a casa, vinda da corrida, não consegui dizer não a duas causas sociais que me abordaram e dei comido a dar, dar, dar...

Sempre fui profissional em me maltratar: "és gorda" "és feia" "não fazes nada bem" "tens mau feitio" "és uma pessoa horrível", etc. etc.. Podia ficar aqui a discorrer longamente com as frases com que (ainda hoje) me presenteio a mim mesma... Somado a isso, sempre fui também extraordinariamente boa em me rodear de pessoas "amigas" que sabiam muito bem apontar o dedo para essas minhas inseguranças e imperfeições e, discretamente, sob a máscara da amizade e preocupação, reforçavam esse meu lado negro, negativo e destrutivo. É ridículo e triste que aos 36 anos e com anos de terapia feita, ainda se procure o reforço externo de nós próprios. Mas é uma realidade. Embora esteja claramente MUITO MUITO MUITO melhor, a verdade é que há uma parte de mim que ainda não se consegue autosustentar, cuidar e acarinhar de forma completa.

Neste novo ano de luta por uma vida mais saudável, o objectivo é, acima de tudo, cuidar de mim. Ainda que o Afonso seja TOTALMENTE central na minha vida, a prioridade numero um, decidi que já que não me era permitido iniciar novo caminho para um novo filho/a, então ia aproveitar este tempo para cuidar de mim. Cuidar de mim em termos alimentares, cuidar de mim em termos de exercício físico, mas também cuidar de mim em termos das pessoas que me rodeiam, do amor e respeito próprio, dos meus fantasmas. Isso udo faz parte do estilo de vida saudável.

Correr encontra-se bem no meio desse caminho, central, fundamental. Cada corrida que termino, cada batalha que venço, cada desafio que supero é uma nova passada nesse respeito, nesse cuidado por mim mesma. Noutras vezes cedi, cedi tantas e tantas vezes e desisti tantas vezes de mim. Desta vez não quero.

Ontem fui correr 10Km em mais uma edição da Meia Maratona de Setubal. A meio da corrida o sol estava abrasador e pela primeira vez numa corrida de 10Km, não fui nem com companhia, nem arranjei companhia na corrida. Tive que ir comigo mesma, com os meus demónios, as minhas inseguranças e medos e tive que os vencer um a um, para chegar à meta sem parar de correr (para além do cansaço e do sol/calor). Chegar ao fim, ontem, foi duro, mas foi, simultaneamente, uma vitória sem palavras. Ao passar aquela meta, com a mini charanga do Rosário a tocar "O amor de Julieta e Romeu", houve em mim uma descarga de adrenalina tal, que ia começando a chorar ali sozinha, ali no meio de tanta gente. 

Correr é libertador sobretudo no fim, na vitória, na superação. No percurso em si, creio que correr seria bom numa corrida de orientação (q tb adoro), numa prova em trilho, no mato, ou em cima de uma bicicleta. Por enquanto ainda vou muito presa ao "quanto falta até ao fim" e "será que consigo chegar ao fim", para usufruir do caminho. É como com a alimentação, com tudo: "será que consigo chegar onde quero?" e o gozo do caminho fica minado pelos medos e pelos fantasmas. 

Mas creio que é um processo, pois de início, os primeiros 3Km eram uma verdadeira tortura. Era ali que se definia se chegaria ao fim. Agora os demónios demoram mais a chegar, lá pelos 5/6/7 Km é onde me debato mais duramente comigo mesma, com o meu corpo, mas sobretudo a minha mente. Um dia, talvez eles aprendam que eu vou vencer, que eu vou chegar ao fim e, dessa forma, se aprendam a calar e a deixar-me usufruir do caminho, do processo.

Entretanto, correr é simbólico da viagem deste ano: uma prova dura de batalhas, de superações, mas sobretudo de amor, respeito e carinho por mim mesma. De aceitação. 

(e entretanto, para além das duas corridas a que já me tinha proposto, na próxima semana, com milhares de mulheres, e dia 7 de Junho, na corrida do Bes Challenge em Lisboa, decidi que vou correr de Palmela à autoeuropa, no dia 22 de Junho, num percurso de 12,5Km e assim procurar superar-me a mim mesma de novo, antes que as férias venham dar um descanso à época de corridas, q terá a sua reentré na corrida da Festa do Avante, onde estarei sem qualquer dúvida!).

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